Lucro e prejuízo - (Publicidade, Crianças e Consumo)
Marta Suplicy
O que
você imagina que passa na cabecinha de uma criança assistindo a um desenho
animado que acaba e o personagem continua falando, só que num comercial? E
quando a criança é estimulada a juntar tantas figurinhas (em embalagens de
alimento não saudável), uma em cada compra, para ganhar brindes? Tudo regado a
felicidade se tais produtos forem consumidos.
Como se construirão a
personalidade e os valores dessa criança? E que hábitos alimentares e padrão de
consumo ela consolidará para a vida?
Hoje temos como
parâmetro para formação da criança, além da família, da escola e da comunidade,
a mídia. Sendo nossas crianças, no mundo, as que ficam mais tempo frente à TV, a
mídia acaba sendo muitas vezes a grande professora. E ensina o quê? Quem avalia
as consequências?
Obviamente, o
crescimento de 200% da obesidade infantil de cinco a nove anos (dados recentes
do IBGE) não é só responsabilidade da mídia. Sobra para os pais, que têm que ter
infinita paciência e presença para exercer o controle da TV e o
alimentar.
Eles podem, no melhor
dos casos, diminuir os danos, tanto do hábito por alimentos não saudáveis quanto
da desconstrução da ideia da felicidade atrelada ao consumo ou que a pessoa
valha pelo que ostenta ou possa comprar. Mas distorções sérias estarão
presentes, pois o tsunami na cabeça da criança é muito forte. Ela é um ser em
formação e que acredita no que lhe é dito.
A propaganda não atua
pela informação, e sim pela persuasão e tudo é reforçado na escola, pelos
colegas. Um terço das nossas crianças está acima do peso. Uma geração que terá
mais riscos de desenvolver doenças.
Quantas mães são
induzidas pela publicidade a fornecer alimentos menos saudáveis acreditando que
esses são até melhores? Quem não se lembra do "Danoninho, vale por um bifinho"?
Convenhamos, neste mundo apressado, dá menos trabalho para preparar.
A criança não pode
assinar contratos, comprar carro ou apartamento. Mas, por ter um peso gigantesco
no que sua família consome, ela é o foco de grande parte da
propaganda.
O Conar afirma que a
atual regulamentação dá conta. Não dá. Ninguém acredita que um mercado de mais
de R$ 130 bilhões/ano vá se autorregular.
Os bons institutos que
se dedicam a pesquisas sobre o tema não têm poder de influência. Falam sozinhos,
ou com associações de pais. Cabe ao Congresso, com rapidez, encaminhar os
projetos já maduros para votação final.
Países desenvolvidos e com
democracia consolidada já o fizeram. Temos que proteger nossas crianças que já
caminham para uma epidemia de obesos como nos EUA. Do jeito que está, o mercado
fica com o lucro, e a criança, sua família e o Estado, com o
prejuízo.(Folha de S.Paulo - 11/08/2012)